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Lipóido-proteinose de Urbach Wiethe: Relato de caso

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Lipóido-proteinose de Urbach Wiethe: Relato de caso
Patrícia E C Daldon MD PhD, Marcela Baraldi Moreira, Sabrina R Talarico MD
Dermatology Online Journal 17 (11): 8

Ambulatório de Dermatologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) - Campinas (SP), Brasil

Abstract

Lipoid proteinosis or Urbach-Wiethe disease is a rare autosomal recessive mucocutaneous disorder caused by mutation in the EMC1 gene. Hoarseness is observed in early childhood associated with infiltration and thickening of skin. Multiple systemic manifestations develop involving mucosal deposition of hyalin material. We describe a 12-year-old boy with typical manifestations: a hoarse voice, thick skin with yellowish papules, including the typical disposition on the margin of the eyelids, infiltration of the tongue and lips, and varicella-like scars. Histopathological examination revealed deposition of hyaline substance with PAS-positive diastase-resistance at the dermoepidermal junction and around vessels. Ultrastructural study showed considerable thickening of the basal lamina of vessels besides the intense deposition of amorphous material in the dermis. Genetic analysis was not available.



Figure 1Figure 2
Figura 1. Pele amarelada e espessada com cicatrizes atróficas variceliformes na face
Figure 1. Yellow and thickened skin with varicella-like atrophic scars on the face

Figura 2. Pele com cicatrizes atróficas variceliformes por todo tronco e antebraço
Figure 2. Varicella-like skin with atrophic scars all over the trunk and forearm

Figure 3Figure 4
Figura 3. Nas áreas de atrito, pápulas hiperqueratóticas confluentes formando placas verrucosas
Figure 3. In areas of friction, hyperkeratotic confluent papules forming verrucous plaques

Figura 4. Pápulas amareladas dispostas linearmente na pálpebras (“em contas”)
Figure 4. Yellow papules arranged linearly in the eyelids (“accounts”)

Paciente do sexo masculino, 12 anos de idade, baixa estatura para a idade cronológica, apresenta pele espessada e amarelada, com pápulas brilhantes, cicatrizes atróficas e variceliformes na face (Figura 1), tronco e antebraços além de pápulas hiperqueratóticas nos cotovelos (Figuras 2 e 3). Na região da borda palpebral, as pápulas amareladas dispõem-se linearmente. (Figura 4). O quadro iniciou-se aos seis meses de idade, acompanhado de rouquidão. A língua tem aspecto infiltrado com limitação dos movimentos (Figura 5). Há infiltração também dos lábios e orelhas (Figuras 5 e 6). Nega história de consangüinidade. A glicemia de jejum do paciente está dentro dos limites da normalidade.


Figure 5Figure 6
Figura 5. Língua rígida e infiltração dos lábios com aumento de volume
Figure 5. Rigid tongue and infiltrated lips with increased volume

Figura 6. Orelha infiltrada com aumento de volume
Figure 6. Infiltrated ear with increased volume

Figure 7Figure 8
Figura 7. Depósito de substância hialina ao redor dos vasos e anexos, em toda a derme (HE, x400)
Figure 7. Deposit of hyaline substance around vessels and appendages throughout the dermis (HE, x400)

Figura 8. Intensa proliferação da lâmina basal ao redor dos vasos em “casca de cebola” e depósito de material amorfo na derme
Figure 8. Intense proliferation of basal lamina around vessels in the “onion skin” and deposit of amorphous material in the dermis

O exame histopatológico da pele revelou depósito de substância amorfa hialina (Figura 7) ao redor dos vasos da derme papilar e reticular e ao redor dos anexos cutâneos. Essa substância é PAS-positiva e não se cora pelo Vermelho Congo. À microscopia eletrônica, observou-se o espessamento da lâmina basal em múltiplas camadas (Figura 8), ao redor dos vasos e anexos, associado ao depósito de material amorfo na derme. (Figura 8).

O paciente não foi testado para anormalidades genéticas, pois esses testes não estavam disponíveis.


Comentários

A lipóido-proteinose, também conhecida como hialinose cutâneo-mucosa ou doença de Urbach e Wiethe, é doença rara, de transmissão autossômica recessiva[1-8]. Foi descrita por Urbach e Wiethe em 1929 e desde então foram publicados pouco mais de 3 a 4 centenas de casos [1, 5]. A prevalência é maior na Europa entre os indivíduos de descendência alemã ou holandesa [3, 5]. Em Namaqualand, na África do Sul, onde a consangüinidade é freqüente, acomete 1 a cada 300 habitantes. Os indivíduos acometidos apresentam pele branca ou negra, mas descendem de um ancestral comum alemão [6].

Os sinais e sintomas da doença estão relacionados ao depósito de substância hialina na pele e nas mucosas [1, 5, 7], mas pode ocorrer em qualquer outro tecido. A infiltração das cordas vocais provoca a rouquidão, já presente ao nascimento com choro fraco, ou nos primeiros anos de vida [3, 5, 7]. É freqüentemente a primeira manifestação da doença [1-7].

As lesões de pele características geralmente aparecem até o segundo ano de vida, ou um pouco mais tarde, ainda na infância [3, 5]. Surgem inicialmente vesículas, pústulas e crostas hemorrágicas [2, 5] que evoluem para cicatrizes atróficas variceliformes principalmente na face e extremidades [5, 8, 9]. A pele torna-se progressivamente espessada com tom amarelado e coberta por pápulas [1-9]. Nas áreas de atrito (mãos, cotovelos, joelhos e axilas), as pápulas podem ter aspecto hiperqueratótico e verrucoso [2, 3, 8, 9]. É clássico o aparecimento de pápulas amareladas “em contas” agrupadas linearmente nas margens das pálpebras superiores [1, 3, 5, 7, 8, 9]. Há também infiltração da língua com restrição dos movimentos, dos lábios, palato, faringe, podendo, nos casos mais graves, evoluir com insuficiência respiratória, que pode acarretar em traqueostomia [2, 3, 5, 7, 9].

Outras manifestações extracutâneas são: (1) crises convulsivas, perda de memória e alterações psiquiátricas, associadas a calcificações nos lobos temporais [6]; (2) infiltração no trato intestinal podendo levar a sangramentos [2, 3, 5], (3) alterações oculares com depósitos hialinos na conjuntiva, opacificações da córnea e glaucoma [5] e (4) anomalias dentárias [2, 5]. Baixa estatura é relatada [10] . A ocorrência de diabetes mellitus já foi reportada, no entanto, é possível tratar-se de coincidência ou de doenças genéticas relacionadas, mas causadas por erros genéticos diferentes [10].

As alterações histológicas caracterizam-se por: depósito de material amorfo hialino na derme papilar, ao redor dos capilares e anexos [1, 2, 3, 5, 7, 8]. Esse material é eosinofílico e PAS-positivo. Acantose e hiperqueratose podem ocorrer. A microscopia eletrônica revela aumento da lâmina basal em múltiplas camadas ao redor dos vasos e anexos, conferindo aspecto de “casca de cebola” [9]. Aumento dos colágenos tipos IV e V ao redor dos vasos e diminuição dos colágenos tipo I e III foram observados [1, 2, 5, 7].

A quantidade de lipídeos no material é variável. Acredita-se que sua presença se dê pela afinidade entre lipoproteínas e glicoproteínas e não por defeito metabólico primário, colocando em discussão se a lipóido-proteinose é uma verdadeira lipoidose. Alguns autores mostraram inclusões nos fibroblastos que sugerem lisossomos anormais [2].

A base molecular da doença foi estabelecida recentemente como uma mutação no gene da proteína da matriz extracelular 1 (ECM-1), no locus 1q21 [6]. O papel desse gene é incerto, no entanto, acredita-se que atue como regulador da formação óssea e na manutenção da estrutura e função da pele normal. Parece participar na neoformação vascular, na diferenciação dos queratinócitos, na produção de colágeno e na interação das proteínas da derme [1, 3, 4].

Não há tratamento específico para a enfermidade. A dissecção cirúrgica das cordas vocais, peelings químicos, dermoabrasão, blefaroplastia e laser de CO2 foram usados em alguns casos [7, 10]. Dimetilsulfóxido, etretinato, corticóide sistêmico e penicilamina foram relatados com melhora parcial em casos isolados [2, 7, 9, 10].

O caso descrito apresenta todas as manifestações clínicas e histopatológicas típicas da síndrome.

References

1. Di Giacomenico S, Mais R, Cassandrini D, El-Hachem M, De Vito R, Bruno C. Lipoid proteinosis: case report and review of the literature. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2006; 26:162-7 [PubMed]

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