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Porfìria eritropoiética congênita: Relato de dois irmãos (Portuguese)

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Porfìria eritropoiética congênita: Relato de dois irmãos
Andréia Jacobo, Hiram Larangeira de Almeida Jr, Valéria Magalhães Jorge
Dermatology Online Journal 11 (3): 15

Catholic University of Pelotas, Brazil. hiramalmeidajr@hotmail.com

Abstract

Congenital erythropoietic porphyria is a very rare autossomal recessive disease, with mutation in the gene that codifies uroporphyrinogen-III synthease, leading to porphyrin acumulation in many tissues, with marked skin photosensitivity. Two male siblings, 43 and 29 years old, are described. The oldest had severe sclerodermiform mutilation; the youngest presented with initial involvement of hypertrychosis. Laboratorial investigation showed polycythemia, increased urinary uroporphyrin and coproporphyrin, and increased erythrocyte porphyrins.



Resumo

A Porfiria Eritropoiética Congênita é uma doença autossômica recessiva muito rara, na qual ocorre mutação no gen da uroporfirinogênio III sintetase, levando a acúmulo de porfirinas em vários tecidos e conseqüente fotossensibilidade cutânea. Descrevemos dois irmãos, o mais velho com 43 anos de idade com mutilantes alterações esclerodermiformes da face e membros superiores, o mais jovem com 29 anos com alterações iniciais e importante hipertricose. Os exames laboratoriais mostraram policitemia , aumento das uro e coproporfirinas urinárias e porfirinas eritrocitárias.


Introdução

A Porfiria Eritropoiética Congênita (PCE) é uma doença autossômica recessiva na qual ocorre mutação no gen que codifica a enzima uroporfirinogênio III sintetase (URO III s), localizado no cromossoma 10 [1], sendo que já foram descritas deleções e inserções nesse gen. A mutação C73R é a mais freqüente, na qual há a troca de cisteína por arginina, danificando desta maneira as pontes dissulfeto o que influencia na estrutura secundária da enzima.

A URO III s é uma das enzimas responsáveis pela síntese do grupamento heme dos eritrócitos, fisiologicamente ela converte o hidroximetilbilane em uroporfirinogênio III. (tabela 1). Na deficiência da URO IIIs cerca se 85% de hidroximetilbilane se condensa espontaneamente no isômero I biologicamente inativo uroporfirina I (URO I) e 15%, na forma fisiológica, o isômero III (uroporfirinogênio III) [2] .

A URO I acumula-se principalmente nos ossos, eritrócitos, pele e dentes acompanhada pela excreção de grandes quantidades de porfirinas na urina e fezes.

As uroporfirinas e outros metabólitos depositados na pele induzem a dano oxigênio dependente quando esta é exposta a luz .


RELATO DOS CASOS


CASO 1

Homem branco, agricultor, solteiro, 43 anos apresentando desde o nascimento pele escura, hipertricose e urina cor de lavado de carne.

Aos 8 anos percebeu alteração na cor dos dentes e aparecimento de bolhas e vesículas nas áreas expostas à luz solar que evoluíram formando úlceras de difícil cicatrização , gradativamente as áreas afetadas tornaram-se endurecidas.

Os avós eram primos de primeiro grau, tem nove irmãos sendo um deles acometido pela mesma doença (caso 2).

Ao exame apresenta várias úlceras, hiperqueratose, hipopigmentação e fibrose nas áreas da pele exposta à luz solar (Figura 1), particularmente na face, escalpo, orelhas, braços e mãos, as quais estão severamente mutiladas (Figura 2).

Hemograma demonstrou 5,50 milhões/mm3 hemoglobina 18,9 g/ml, hematócrito 50%, HCM 30mg, CHCM 34%, VCM 90 micra3., com leucograma e plaquetas normais. As enzimas hepáticas TGO 47u/ml (7-27), TGP 39 u/ml (4-26) e gama-GT 15 U/L.

A dosagem de porfirinas na urina de 24 horas revelou coproporfirinas 382.2 mcg/g de creat (normal inferior a 100.0 mcg/g de creat – método colorimétrico) e uroporfirinas positivo (método fluorescência). A pesquisa de porfirinas nos eritrócitos revelou porfirinas eritrocitária 98.6 mcg/100ml (valor de referência inferior a 40.0mcg/100ml – método hematofluorimétrico).

O exame anatomopatológico de um fragmento de pele da face anterior do antebraço mostrou discreta atrofia epidérmica com proeminente fibrose dérmica e ausência de anexos cutâneos. Com a coloração PAS evidenciou-se depósito de substância amorfa (Figura 3) .


CASO 2

Homem, branco, agricultor, solteiro, 29 anos apresentando pele escura e urina cor de lavado de carne desde o nascimento. Percebeu o excesso de pêlos especialmente na face desde a puberdade, também notou o aparecimento de bolhas e vesículas na pele após exposição ao sol.

Ao exame apresenta áreas de hipopigmentação e fibrose na face, com retração da região perioral, mutilação do nariz e orelhas (Figura 4). Nas mãos possui intensa hipertricose e encurtamento das falanges distais (mãos de lobisomem) (Figura 5).

Os dentes possuem coloração acastanhada.

Os hemograma revelou: hemáceas 5,76 milhões /mm3, hemoglobina 20,3 g/ml, hematócrito 52%, HCM 31 mg, CHCM 34%, VCM 91 micra3, leucograma e plaquetas normais, TGO 46 u/ml (7-27), TGP 80u/ml (4-26), GAMA-GT 39u/l (5-25).

A dosagem de porfirinas na urina de 24 horas revelou coproporfirinas 718,4 mcg/g de creat (normal inferior a 100.0 mcg/g de creat – método colorimétrico) e uroporfirinas positivo (método fluorescência). A pesquisa de porfirinas nos eritrócitos revelou porfirinas eritrocitária 124,3 mcg/100ml (valor de referência inferior a 40.0mcg/100ml – método hematofluorimétrico).

O exame anatomopatológico de um fragmento de pele da face anterior do antebraço mostrou fibrose dérmica com depósito de material hialino perianexial (Figura 6), perivascular e na derme papilar.


Figure 1 Figure 2
Figura 1- Caso 1: Alterações esclerodermiformes nas áreas fotoexpostas acompanhadas de lesões hiqueratóticas.
Figura 2- Caso 1: Mutilação esclerodermiforme da mão, com ulceração e hiperqueratose.

Figure 3 Figure 4
Figura 3 – Caso 1: Histologia com ausência de anexos na derme rica em colágeno (HE 200x), no detalhe depósito de material amorfo na derme papilar (PAS 400x).
Figura 4 – Caso 2: Fibrose nas áreas fotoexpostas com microstomia.

Figure 5 Figure 6
Figura 5 – Caso 2 : Hipertricose e discreta acroesclerose (mão de lobisomem).
Figura 6- Caso 2 : Histologia com diminuição da celularidade na derme (HE 200 x), e depósito de material amorfo perianexial (PAS 400x).

DISCUSSÃO

Na PEC as porfirinas urinárias aumentam de 100 a 1000 vezes com predominância da forma mais carboxilada, URO I, que é solúvel em água Além disso, a excreção urinária de uroporfirina III e coproporfirina III está aumentada. A excreção dos precursores ácido delta aminolevulínico e porfobilinogênio estão normais na PEC [3].

A fotossensibilidade freqüentemente inicia nos primeiros dias de vida e é induzida especialmente pela luz na freqüência de aproximadamente 405 nm. No curso da doença há intensa fragilidade da pele ocorrendo ulcerações seguidas por mutilação dos dedos, mãos, face particularmente nariz, orelhas, lábios, bochechas e testa. As unhas e os dedos ficam deformados. A hipertricose e eritrodontia,, como no caso 2, também são características[4].

Acometimento ocular é comum, como blefarite, ectrópio cicatricial, conjuntivite e perda completa dos cílios e sobrancelhas incluindo cicatrizes corneanas podendo levar a cegueira. Escleromalácia, diminuição da sensibilidade corneana, pterígio, atrofia do nervo óptico e hemorragias retinianas também podem ser notadas.

As principais mudanças histopatológicas na PEC são bolhas subepidérmicas como na Porfirina Cutânea Tarda, com aumento de cicatrizes e hialinização do tecido conjuntivo, semelhante aos aspectos encontrados nesses dois pacientes .

Nos casos com longa duração encontramos severa osteólise com mutilação, havendo severa contratura dos dedos e atrofia das falanges terminais semelhantes as que acontecem na esclerodermia, culminando em uma acromicria, como visto na intensa mutilação das mãos no caso 1.

A única medida preventiva da PEC é a abstenção total da exposição solar [5].

A transfusão de hemáceas é efetiva no manejo da anemia hemolítica pois induz uma policitemia e conseqüente feedback negativo na biossíntese de porfirinas na medula óssea. Pacientes com acometimento leve podem ser mantidos com sucesso por longo tempo com a terapia tranfusicional,. O benefício da transfusão de hemáceas decresce na puberdade quando as mudanças hormonais aumentam a biossíntese do grupo heme [5].

O transplante de medula é uma opção terapêutica efetiva para PEC pois substitui os eritroblastos da medula corrigindo o defeito eritrocitário, normalizando a atividade da URO III sintetase, diminuindo os níveis de porfirinas com conseqüente diminuição da fotossensibilidade, fragilidade cutânea e restabelece uma eritropoiese normal [6].

Apesar da raridade já foram descritos outros casos familiares [7,8,9], havendo apenas outro relato de caso do Brasil [10].

References

1. Astrin KH, Warner CA, Yoo HW, Goodfellow PJ, Tsai SF, Desnick RJ. Regional assigment of the human uroporphyrinogen III synthease (UROS) gene to chromosome 10q25.2 - q26.3. Hum Genet 1991; 87: 18-22.

2. Fritsch C, Bolsen K, Ruzicka T, Goerz G. Congenital Erythropoietic Porphyria. J Am Acad Dermatol 1997; 36: 594-610.

3. Murphy GM, Hawk JL, Nicholson DC, Magnus IA. Congenital erythropoietic porphyria (Günther’s disease). Clin Exp Dermatol 1987; 12 : 61-5.

4. Murphy GM. The cutaneous porphyrias: a review. Br J Dermatol 1999; 140: 573-81.

5. Dawe SA, Peters J, Du Vivier A, Creamer JD. Congenital erythropoietic porphyria: dilemmas in present day management. Clin Exp Dermatol. 2002; 27: 680-3.

6. Tezcan I, Xu W, Gurgey A et al. Congenital erythropoietic porphyria successfully treated by allogeneic bone marrow transplantation. Blood 1998; 11 : 4053-8.

7. Iberico R, Lino C. Porfiria eritropoyética congénita. Presentación en 2 hermanos. Arch Argent Dermatol 1996; 46 : 241-4.

8. Boudghene-Stambouli O, Merad-Boudia A, Ould-Amrouche J, Deybach JC, Dasilva V, Nordmann Y. La Porphyrie Érythropoïétique Congénitale: Observation Familiale. Ann Dermatol Venereol 1992; 119: 365-8

9. Saval AH, Tirado MA. Congenital erythropoietic porphyria affecting two brothers. Br J Dermatol 1999; 141 : 547-50.

10. Criado PR, Pires MC, Pegas JRR, Reis VMS, Martins JEC. Porfiria eritropoética congênita (doença de Günther): relato de caso. An Bras Dermatol, 1998; 73:119-23.

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